Partitura – Março 2024
“Março liga a noite com o dia, o Manel co’a Maria, o pão com o pato e a erva com o sargaço”. Assim reza o provérbio, não sem algum mistério. Não será nesta Partitura que iremos desvendar todos os mistérios da existência, mas há temas que iremos tentar retirar da sombra.
Na Tónica iremos abordar uma sequela pouco falada, que afeta muitos milhares de cidadãos, e como o poder terapêutico da música a pode tornar menos penosa: a afasia.
Noutro registo, vale a pena determo-nos numa saborosa conversa entre dois músicos oriundos de estilos tão distantes como o jazz e o fado. João Esteves da Silva e Ricardo Ribeiro discreteiam com humor e inteligência, eles que serão protagonistas dum concerto inédito com a Orquestra Jazz de Matosinhos lá para o fim do mês.
O papel determinante das bandas filarmónicas na vida musical e do ensino da música nas mais recônditas zonas do país merece o devido destaque nesta terceira edição da Partitura e é tema para o 2.º módulo do Curso Livre de História da Música deste ano. Sobre o tema, fala quem sabe, como é o caso de André Granjo.
Nas páginas centrais, não será preciso saber ler música para descobrir na rubrica Pauta a agenda de concertos e atividades de um mês particularmente recheado, com momentos imperdíveis da grande música portuguesa dos mais diversos géneros e tempos – ou não fosse este ano a temporada dedicada a Portugal. A música de António Pinho Vargas, Pedro Amaral, Luís Antunes Pena, do “residente” Vasco Mendonça, José Joaquim dos Santos – um dos grandes do barroco tardio português – será defendida com a competência e o nervo da Orquestra Sinfónica, do Remix Ensemble e da Orquestra Barroca Casa da Música, tanto quanto o grande repertório internacional. Para tanto, contamos com maestros de grande craveira, tais como os nossos Stefan Blunier e Laurence Cummings, Andrew Gourlay, Michael Sanderling, Tito Ceccherini, Um naipe notável de solistas portugueses e internacionais também estarão em palco, destacando aqui Nuno Vaz, Nuno Aroso, Sara Braga Simões, André Baleiro, Joana Seara, Pedro Castro, Rowan Pierce, Josep-Ramon Olive, Jonathan Ayerst ou Francesco Dillon. Na música popular, é de saudar o regresso dos Taxi, de Future Rocks e Future Jazz e os concertos de Cara de Espelho, do Hugo Lobo Trio e dos Marquise.
Os amantes do grande pianismo irão poder reencontra-se com uma das grandes revelações dos últimos tempos, Seong-Jin Cho.
“Março, marçagão…”.
E pronto!
CONCERTOS DE PÁSCOA
22-27 Mar
TÓNICA
AO ALCANCE DE TODOS
O que é a afasia? Poucos saberemos que se trata de “uma perturbação da linguagem adquirida subitamente por lesão neurológica nas áreas específicas em que ela é processada”, como explica Paula Valente, diretora do Instituto Português da Afasia (IPA). “Não afeta a inteligência, mas lesa a comunicação verbal (oral e escrita) e a não-verbal, tendo consequências como a disfunção familiar, a perda da autonomia, o isolamento social, o desemprego e o desequilíbrio emocional”, esclarece, apoiando-se em estudos oficiais para estimar que haja “mais de 40 000 portugueses com afasia” e que “30% dos sobreviventes de AVC” passem a sofrer desta patologia crónica. O IPA associou-se ao Serviço Educativo da Casa da Música para construir um espetáculo interpretado por cidadãos com afasia.
OUVIDO ABSOLUTO
P – Se não estou errado, os vossos caminhos cruzam-se pela primeira vez em 2016, no álbum Hoje é assim, amanhã não sei. Passados oito anos, já sabem dizer se amanhã também será assim?
RR – Queres começar tu, João?
JPES – É melhor, senão tu dizes logo as verdades todas. Eu já não me lembro muito bem se não houve qualquer coisa antes, julgo que teremos feito um espetáculo.
RR – Fizemos, sim senhor. Foi em 2015, teve a ver com Os Dias da Música, no CCB. Mas, independentemente disso, há uma coisa importante para mim que quero dizer à frente do João, uma coisa da verdade. Eu já antes o admirava imenso, ouvia a música dele e queria trabalhar com ele, mas sentia que não tinha capacidade, até que um músico de quem também tenho a felicidade de ser contemporâneo, o Carlos Manuel Pureza, disse que isso era uma estupidez e iniciou os contactos. A partir daí tem havido esta partilha da música e do espírito. Quanto a mim, é para continuar, a não ser que um dos dois morra. O que é uma inevitabilidade.
“A MÚSICA E A POESIA NÃO SÃO DESTE MUNDO”
A SOLO
VOANDO SOBRE UM NINHO DE MÚSICA
Tive a sorte de crescer numa loja de música. Podia escolher qualquer instrumento e trocar no dia seguinte, podia rodear-me de música à hora que quisesse e, se o meu pai era professor, tive chance de assistir a aulas e questionar tudo, desde como se escrevia uma tarola na pauta à transcrição de melodias e polirritmos. Talvez por isso tenha escolhido começar pela bateria, admirava o meu pai e ele era o melhor baterista, pedagogo, mentor e impulsionador do meu talento e da minha vontade de aprender. O piano falou mais alto quando comecei a tocar com o meu irmão mais novo, formámos uma banda os dois e tocávamos todo o tipo de repertório, desde as bandas preferidas do meu pai, como Pink Floyd, Eagles, Supertramp, Genesis, entre outras, ao boogie woogie improvisado em cima do palco. Foi por essa altura que recebi o meu primeiro instrumento, um Hammond, órgão esse com que ainda hoje toco em projetos com alguns dos meus músicos portugueses preferidos. Pedro Neves foi o professor de piano que me acompanhou quando entrei para o Conservatório de Música da Jobra. Menciono o nome dele porque foi o meu primeiro contacto direto com a arte do piano jazz e porque muitas vezes dou por mim a refletir sobre citações e ideias que ele me transmitiu.
OUTRAS BATIDAS
“Banda Filarmónica”, por vezes apenas “Banda de Música”, “Banda Civil”, “Filarmónica” ou só “Música”, é a designação dada a uma Orquestra de Sopros e Percussão de estrutura amadora que se alicerça numa comunidade. A nível social, estas instituições musicais são geralmente organizadas e administradas com base no modelo das Sociedades Filarmónicas criado no século XIX. A maior parte das vezes estas estruturas têm uma Escola de Música que alimenta a Banda, têm um maestro que por vezes acumula o papel de coordenador da Escola e uma direção administrativa responsável por aspectos mais logísticos e de produção, como organizar concertos, assinar contratos para atuações, cuidar da vida financeira da sociedade, do marketing, etc. Em algumas destas coletividades a música não é a única atividade oferecida à comunidade.
Em Portugal este é um fenómeno de âmbito nacional, presente tanto nas zonas rurais como urbanas, que se desenvolveu rapidamente com os ideais liberais pós-Revolução Francesa, sobretudo após a criação da Sociedade Filarmónica de Concertos de Lisboa, em 1822. Apesar de alguns períodos de crise, sempre foi um dos mais importantes suportes musicais, tanto pela sua versatilidade performativa como pela sua capacidade de socialização e representação social.