Partitura – Dezembro 2024

E assim chegamos ao fim de um ano especial na Casa da Música: o ano de Portugal. Da polifonia renascentista aos dias de hoje, os nossos agrupamentos residentes deram vida a algumas das melhores páginas da literatura musical portuguesa, na companhia de maestros e solistas de craveira internacional. Por cá se ouviram também obras de grandes compositores que, vindos de outros países, ao longo dos tempos aqui foram deixando marca e património artístico. Criaram-se contextos para que alguns dos melhores intérpretes nacionais se evidenciassem no confronto com partituras da maior exigência. Celebrou-se, ao abrigo do festival Música & Revolução e em programas carregados de simbolismo, o 50.º aniversário do 25 de Abril. Nos mais diversos géneros musicais, entre nomes consagrados e jovens promessas, passaram pelos nossos palcos inúmeros talentos portugueses. É caso para dizer, em jeito de brincadeira evocativa, “foi bonita a festa, pá”.

A verdade, porém, é que antes do fim da “festa” outras “festas” se aproximam – e, na Casa da Música, são já tradicionais os Concertos de Natal, sempre muito apreciados pelo nosso público. Este ano, a comemoração da quadra culmina com aquela que é, provavelmente, a obra coral mais famosa de todos os tempos, o Messias de Händel, numa interpretação que reúne a Orquestra Barroca e o Coro. Antes disso, também em dois concertos, a Orquestra Sinfónica apadrinha a estreia entre nós da prestigiada maestrina búlgara Delyana Lazarova, num programa que inclui dois contos de Natal com música de Rimsky-Korsakoff. São momentos imperdíveis da última narrativa do ano, Música para o Natal, cujo mote é dado pelo nosso agrupamento mais novo, o Coro Infantil.

Já o Remix Ensemble despede-se de 2024 no concerto final de uma edição especial da Academia com o seu nome, sob orientação da principal figura da chamada “música con. creta instrumental”, Helmut Lachenmann, e onde se cumpre a estreia mundial de uma obra da Jovem Compositora em Residência, Sara Ross.

Noutras áreas, dentro de uma oferta diversificada merecem destaque os novos talentos nacionais. É o caso dos projetos finalistas das vertentes jazz e rock do festival/ concurso Future, que este mês disputam a vitória, e de um concerto em que os alunos da Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo põem à prova a sua escrita para big band. Dezembro convoca ainda dois nomes portugueses consagrados que voltam a encerrar as respetivas temporadas na Casa da Música – Tiago Bettencourt e UHF – e, como cereja no topo do bolo, pela voz inconfundível de Paulo de Carvalho, traz-nos à memória uma pergunta batida: e depois do adeus?

TÓNICA

No horizonte já espreita um novo ano e com ele lançam-se desejos aos quatro ventos para mais um ciclo. Na Casa da Música, cada uma destas passagens rituais traz também consigo a entrada numa nova temporada de concertos, recheada de propostas originais e unidas por um fio que nos guiará durante a próxima volta ao Sol.

Se, neste ano que agora termina, Portugal inspirou a programação da Casa, completamente atravessada por grandes obras de compositores nacionais, com a presença de solistas e maestros portugueses, 2025 desenha-se a partir do mote Caminhos Cruzados, destacando encontros inusitados entre estilos e geografias, mostrando como música erudita e popular se influenciam mutuamente. Os Compositores em Residência são um reflexo dessa ideia. Liza Lim (1966), australiana de origem chinesa, combina sonoridades aborígenes, tradições chinesas e cânones ocidentais, enquanto João Carlos Pinto (1998), compositor e performer multimédia, é um dos representantes da nova geração de artistas multidisciplinares, com sólida conexão à tradição.

Paulo de Carvalho – A senha e a sina do 25

Em 1974, a senha para o 25 de Abril foi a canção “E depois do adeus”, celebrizada por Paulo de Carvalho, compositor e intérprete que faz 60 anos de carreira, ou seja, mais 10 do que a Revolução dos Cravos – e, como ele próprio assinalou num dos seus vários clássicos para a música portuguesa, “10 anos é muito tempo”.

São referências destas que nos ligam ao significado da liberdade, ao seu custo, a quem por ela arriscou a vida. Nomes como Paulo de Carvalho, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Ary dos Santos, Fausto, Carlos Mendes, Fernando Tordo, ancoraram o ideal da liberdade a valores como o bem comum, a coragem ou a solidariedade. E é por isso, além da música, que o concerto com que Paulo de Carvalho celebra os seus 60 anos de carreira – cujo título, “E depois do adeus???”, adquire o duplo sentido de relembrar o início da libertação nacional e questionar o que aí virá quando as referências artísticas da luta desparecerem – deve ser visto como um momento simbolicamente especial.