Partitura · Março 2025

O Carnaval é, por excelência, um período de subversão da rotina, onde a bonomia floresce, o disfarce seduz e o espírito folgazão se manifesta. Como sempre, a nossa Orquestra Sinfónica assinala a época com um concerto onde também os seus músicos se apresentam mascarados, interpretando obras evocativas da festa pagã que sacode a tristeza nos mais diversos pontos do mundo. Fica assim dado o mote para um mês em que outras lógicas são viradas do avesso, nomeadamente a do paradigma machista que, ao longo da história da música, tanto tem dificultado a afirmação e o reconhecimento de grandes compositoras, intérpretes e maestras. Em sete concertos que convocam dois dos agrupamentos residentes da Casa da Música e um quarteto de cordas apontado ao estrelato, o ciclo Mulheres na Música dá-nos a escutar, entre os dias 08 e 25 de março, importantes artistas femininas do passado e do presente. Sob o tema Caminhos Cruzados, fio condutor da temporada, o Coro põe também o passado e o presente em diálogo, num programa que vai de Bach à ainda jovem compositora norte-americana Caroline Shaw. Regresso sempre anunciado, ano após ano, é o do russo Grigory Sokolov, um dos maiores pianistas do mundo, desta feita num recital preenchido por obras de William Bird e Johannes Brahms.

Fora da música erudita, são muitos os concertos a destacar: os canadenses Goodspeed You! Black Emperor trazem debaixo do braço o seu novo álbum, No Title as of 13 February 2024 28,340 Dead; Lizz Wright, uma das mais entusiasmantes cantoras e compositoras de jazz dos nossos dias, apresenta ao vivo o recente Shadow, onde funde harmoniosamente distintas correntes da música negra; figura de proa entre os “soneros” cubanos e membro fundador do Buena Vista Social Club, Eliades Ochoa vem também munido do seu último álbum, Guajiro, um testemunho de amor à música caribenha.

Quanto a nomes portugueses, registe-se: os Mão Morta regressam com Viva La Muerte!, um espetáculo em defesa da democracia, inspirado pelos 50 anos do 25 de Abril; Capicua estreia ao vivo no Porto o fresquíssimo Um gelado antes do fim do mundo, disco inspirado e versátil que consolida o seu estatuto de rainha do hip hop nacional; Francisco Sassetti protagoniza uma noite de storytelling ao piano; os Souls of Fire comemoram 25 anos de carreira, com a mala cheia de memórias para partilhar; Moullinex e GPU Panic, juntos no projeto MXGPU, dão um concerto imersivo que promete redefinir a experiência live da música de dança; e Rodrigo Leão revisita o álbum Os Portugueses (2018) a uma nova luz, com instrumentos tradicionais e contemporâneos a dar corpo a temas originais cantados na nossa língua.

Para as famílias, como sempre, recomenda-se um olhar atento às propostas do Serviço Educativo, nomeadamente concertos e oficinas. O Curso Livre de História da Música prossegue com a sessão final do 2.º módulo, Mulheres na Música, e as duas primeiras do 3.º, Tchaikovski: Um Criador de Melodias.

Por fim, vale a pena continuar a acompanhar os artistas e as bandas que se apresentam no Café, sempre à quinta-feira, em concertos de entrada livre. Para um conhecimento aprofundado do que a Casa da Música lhe reserva ao longo do mês, no entanto, o melhor mesmo é percorrer as páginas desta Partitura e fazer as suas escolhas. Boa viagem!

TÓNICA

Ser-se mulher no mundo das artes – e não só – foi demasiadas vezes difícil ou até impossível. A sua presença enquanto musas inspiradoras foi redutora. A sua aceitação condicional em universos identificados como “femininos” foi muito pouco para mulheres tenazes como Augusta Holmès, compositora parisiense do século XIX, quase apagada da história e recuperada nesta série de concertos. A Casa da Música celebra as mulheres na música, sejam elas autoras, maestrinas ou intérpretes, sejam protagonistas da obra artística – num propósito que não se esgota aqui e cada vez mais se faz refletir na programação anual.

A Noite dos Bigodes

Além de reunir competências técnicas, qualquer equipa de trabalho, para ser firme e confiável, beneficia da comunhão de valores humanos entre os seus elementos. O respeito de uns pelos outros é fundamental, mas extensões desse respeito, como a amizade ou o companheirismo, têm o potencial de ajudar a consolidar o espírito de grupo. E assim, naturalmente, surge espaço para brincadeiras e gestos simbólicos que, ao invés de desviarem o foco dos trabalhadores, tornam a máquina ainda mais oleada e afinada.

Um desses gestos ocorreu na equipa técnica da Casa da Música e teve como pano de fundo o Concerto de São João de 2010. O chefe de palco da nossa Orquestra Sinfónica, que subia ao proscénio da esplanada para abrir a noite perante uma praceta cheia de gente entusiasmada, era o sr. Luís Faria, o mais antigo do país nas suas funções – um profissional admirado, cerca de 30 anos mais velho do que os seus colegas de departamento, e de algum modo o porta-estandarte de uma ética de trabalho em que a responsabilidade e o sentido de humor se relacionavam, como ainda hoje, de forma sinérgica.