A Noite dos Bigodes

Além de reunir competências técnicas, qualquer equipa de trabalho, para ser firme e confiável, beneficia da comunhão de valores humanos entre os seus elementos. O respeito de uns pelos outros é fundamental, mas extensões desse respeito, como a amizade ou o companheirismo, têm o potencial de ajudar a consolidar o espírito de grupo. E assim, naturalmente, surge espaço para brincadeiras e gestos simbólicos que, ao invés de desviarem o foco dos trabalhadores, tornam a máquina ainda mais oleada e afinada.

Um desses gestos ocorreu na equipa técnica da Casa da Música e teve como pano de fundo o Concerto de São João de 2010. O chefe de palco da nossa Orquestra Sinfónica, que subia ao proscénio da esplanada para abrir a noite perante uma praceta cheia de gente entusiasmada, era o sr. Luís Faria, o mais antigo do país nas suas funções – um profissional admirado, cerca de 30 anos mais velho do que os seus colegas de departamento, e de algum modo o porta-estandarte de uma ética de trabalho em que a responsabilidade e o sentido de humor se relacionavam, como ainda hoje, de forma sinérgica.

A imagem de marca de Luís Faria era o bigode. Então, um dos técnicos teve a ideia de lhe prestar uma homenagem. Desafiou os outros a, nessa noite, pela qual passariam também, em palco, os Trabalhadores do Comércio e os Blind Zero, raparem as barbas e aparecerem de bigode. Todos. Os escalados e os que estavam de folga. E assim foi, para genuína alegria do decano, que não quis deixar o rasto da brincadeira esfumar-se no tempo e, com uma fotografia, lhe concedeu a posteridade.

Homem de talentos múltiplos, daqueles que parecem ter jeito para tudo e estão sempre prontos a servir os amigos, Luís Faria é hoje recordado com grande saudade. Dois anos depois de se ter reformado, de ter desfalcado a equipa, faleceu. Nunca deixou de ser falado, como este pequeno texto comprova, e a famigerada “noite dos bigodes” ficou para a história da Casa. Um simples episódio, um mero fait-divers, poderá dizer-se, mas onde cabe a dimensão humana de uma verdadeira equipa.