RAVEL: 150 ANOS DE UM SOM IRRESISTÍVEL

É provável que reconheça um pouco do famosíssimo Boléro, mesmo que não se recorde de onde e que não lhe associe um título ou uma autoria, tal é a sua difusão no cenário quotidiano. A grande ironia é que a mais célebre peça de Ravel é também uma das mais sui generis do seu catálogo – um exercício de orquestração, acima de tudo –, que não representa de todo o imaginário musical do seu autor.

Neste 150º aniversário de Ravel, convidamos o público a deixar-se levar por alguns dos lugares mais encantadores do mundo único, pessoal e irresistível que nos deixou.
Nascido em território basco no sudoeste de França, Maurice Ravel (1875-1937) foi o mais proeminente compositor francês da sua geração, contemporâneo de revolucionários como Schoenberg ou Stravinski. Nas narrativas mais simplificadas sobre a história da música, é habitualmente referido a par de Debussy como exemplo da chamada música impressionista. Contudo, o perfil musical de Ravel distingue-se pelo seu carácter invulgarmente eclético, reunindo as mais diversas referências sob a superfície sonora irrepreensivelmente polida e sempre elegante do seu som.
É claro que não faltam pontos em comum com o impressionismo. O mesmo apelo dos sonhos e dos sentidos, da imagem da água, da sugestão quase visual e da poesia, percorre páginas como as de Gaspard de la Nuit para piano, da pioneira Jeux d’Eau (de 1901, anterior às peças “aquáticas” de Debussy), de Une Barque Sur l’Océan (no original para piano ou na versão orquestral) ou do bailado Dáfnis e Cloé. O fascínio por música de outras paragens vem à tona em várias obras, das sonoridades orientais (que permeiam, por exemplo, os universos infantis do encantador bailado Ma Mère l’Oye1) ao blues (na Sonata n.º 2 para Violino e Piano) ou aos ingredientes colhidos no jazz (no Concerto em Sol ou no Concerto para a Mão Esquerda, ambos para piano e orquestra), passando ainda pela música do leste europeu (Tzigane para violino e piano, mais célebre em versão com orquestra). Os elementos hispânicos que Debussy também celebrou têm em Ravel uma maior preponderância, ilustrada não só pelo Boléro como pela Rapsodie Espagnole ou pela espantosa Alborada del Gracioso (outro original para piano mais conhecido na versão para orquestra, onde surge a mais perfeita evocação do estilo vocal do flamenco em modo instrumental).
Outros apelos estéticos se juntam a estes, numa postura assimiladora da qual não brota conflito. Vénias à música de outros tempos aproximam Ravel das tendências neoclássicas que despontavam então (a homenagem à tradição cravística francesa do século XVIII em Le Tombeau de Couperin2, as reminiscências renascentistas na Pavana para uma Infanta Defunta3 ). Mas nem elas fizeram Ravel alhear-se das tendências mais inovadoras do seu tempo (ouça-se a desconcertante Frontispice de 1918 para 2 pianos a cinco mãos (!) ou as surpreendentes Chansons Madécasses).
Como arte sincera, livre e inspirada que é, a música de Ravel tem conquistado ouvidos atentos em todas as épocas, alimentando imaginários nos mais diversos quadrantes – de figuras cimeiras do seu tempo, como Stravinski, a músicos ecléticos dos nossos dias, como o português Mário Laginha.
Que melhor maneira de dar os parabéns a este artesão de sons do que escutar uma das suas pérolas? Na Casa da Música, a 07 de fevereiro, 14 de março e 16 de março.
1 · Poderá ouvir Ma Mère l’Oye no concerto “Uma Noite de Amor” (14 de março) ou no concerto comentado “Contos de Ravel” (16 de março).
2 · Poderá ouvir Le Tombeau de Couperin no concerto “Parabéns, Ravel!” (07 de fevereiro).
3 · Poderá ouvir a Pavana no concerto “Parabéns, Ravel!” (07 de fevereiro).