Amor em Tempos de Construção
O que era para ser uma moradia de cerca de 200 m2 é hoje um imponente edifício de cariz cultural incluído pelo jornal inglês The Times entre as cinco obras mais representativas da arquitetura mundial na primeira década do século XXI. A história não será estranha a quem acompanhou o processo de construção da Casa da Música, uma vez que dela nunca se fez segredo: Rem Koolhaas, autor do projeto, foi mesmo o primeiro a contá-la. Afinal, se a transparência – entendida como continuidade visual entre o interior e o exterior – era a principal caraterística do edifício, havia que ser coerente e não esconder a sua origem remota.
Arregaçadas as mangas dos operários de construção civil e postas mãos à obra, quatro anos se seguiriam até que a Casa abrisse portas. Durante esse processo, o arquiteto holandês deixou claro que pretendia manter as paredes sem qualquer acabamento, remetendo o olhar público para a ideia de uma Casa sempre em construção, o que obrigou a implementar preceitos muito rígidos no que diz respeito ao betão e às superfícies de gesso cartonado. Um deles foi impedir que o pessoal da obra cumprisse o hábito de escrever indicações ou referências para cálculos nas paredes. Isso, definitivamente, não seria possível.
Mas o coração, como sabemos, tem razões que a própria razão desconhece, e certo dia apareceu mesmo uma inscrição. Dizia: “Isabel tu és uma princesa meu amor”. Quem sabe se estimulado com a façanha ou tomado de impulso pela força dos sentimentos, o declarante não conseguiu controlar o ímpeto e voltou a prevaricar. Numa primeira fase, as mensagens eram mais inocentes e apaixonadas; depois, mais explícitas e carnais – mas sempre declarações de amor a uma Isabel desconhecida, que vários supuseram ser uma profissional do gabinete de arquitetura, muitas vezes presente na obra. O autor, esse, duas décadas transcorridas, continua por identificar. Mais de vinte declarações tiveram de ser apagadas, mas uma ficou, para memória desse tempo. Está no piso 6, junto aos elevadores, como marca eterna de uma paixão que foi obra.