Paulo de Carvalho – A senha e a sina do 25
Em 1974, a senha para o 25 de Abril foi a canção “E depois do adeus”, celebrizada por Paulo de Carvalho, compositor e intérprete que faz 60 anos de carreira, ou seja, mais 10 do que a Revolução dos Cravos – e, como ele próprio assinalou num dos seus vários clássicos para a música portuguesa, “10 anos é muito tempo”.
São referências destas que nos ligam ao significado da liberdade, ao seu custo, a quem por ela arriscou a vida. Nomes como Paulo de Carvalho, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Ary dos Santos, Fausto, Carlos Mendes, Fernando Tordo, ancoraram o ideal da liberdade a valores como o bem comum, a coragem ou a solidariedade. E é por isso, além da música, que o concerto com que Paulo de Carvalho celebra os seus 60 anos de carreira – cujo título, “E depois do adeus???”, adquire o duplo sentido de relembrar o início da libertação nacional e questionar o que aí virá quando as referências artísticas da luta desparecerem – deve ser visto como um momento simbolicamente especial.
A sustentá-lo há ainda ao facto de Paulo de Carvalho ter sido um músico de grande versatilidade, numa altura em que o ímpeto revolucionário obstava, por vezes, e paradoxalmente, à exploração de uma liberdade estética capaz de olhar para a música, acima de qualquer outra coisa, como arte de organização da matéria sonora.
Lembremo-nos dos Sheiks, “os Beatles portugueses”, fundados em meados dos anos 60; lembremo-nos de “Lisboa, Menina e Moça” ou “os Putos”, temas alcandorados a ícones do fado na voz de Carlos do Carmo; lembremo-nos das vitórias no Festival da Canção, como intérprete e compositor; lembremo-nos dos discos de ouro; lembremo-nos de “Flor sem tempo”, “Nini dos meus 15 anos”, “Olá, então como vais?” e tantos outros clássicos; lembremo-nos das improvisações vocais e da incorporação de linguagens do jazz na criação musical; lembremo-nos até, logo após o 25 de Abril, da autoria do hino do Partido Popular Democrático (PPD), a convite de Francisco Sá Carneiro – “pensava que era um partido de esquerda”, justificaria mais tarde o artista.
Por coincidência feliz, um dos concertos deste mês da nossa Orquestra Sinfónica tem como título “E depois do adeus”, o que, corroborando a importância de nos despedirmos condignamente de um ano marcante para Portugal, País-Tema de 2024 na Casa da Música, sublinha o valor da memória e o dever de gratidão para com quem enriqueceu o património artístico e humano deste jardim à beira-mar plantado.
Na noite de 24 de abril de 74, a voz de Paulo de Carvalho foi a senha para o 25. Cinquenta anos depois, a Casa da Música faz com que a história se repita: a mesma voz, o adeus a 2024, a senha para o 25.