Partitura – Setembro 2024

Para muitos, setembro é o mês do regresso ao trabalho, após o sempre ansiado período de férias. E aí faz diferença a forma como se é recebido de volta, o ambiente que se encontra, os estímulos que ajudam a tomar fôlego para mais um ano de labuta. Ciente da importância do seu contributo, a Casa da Música nunca falta à chamada, assinalando cada rentrée com dois concertos de entrada livre na Avenida dos Aliados, onde os portuenses se juntam para confraternizar e afinar o espírito pela música de grandes mestres. Desta vez, os primeiros compositores a espargir a sua arte são os participantes do projeto Som da Rua, um ensemble inclusivo formado por homens e mulheres que conhecem a dura realidade das ruas. A poesia da cidade, as sombras que carrega na alma e a luz com que teima em resgatar a vida são vertidas para o trabalho semanal deste coletivo, cujos frutos poderemos todos juntos, numa noite que se adivinha emocionante, testemunhar, admirar e celebrar. Criado em 2009, no âmbito de uma parceria do Serviço Educativo com instituições do Grande Porto, o Som da Rua consolida-se ano após ano pelo seu valor artístico e social.

A noite seguinte cumpre o duplo desígnio de selar o início da nova temporada e encerrar oficialmente o Verão da Casa, uma responsabilidade de peso a que a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música responde com a leveza festiva de um programa recheado de danças populares e munido de uma cereja no seu topo: os mais belos excertos da obra-prima de Tchaikovski, O Lago dos Cisnes.

Bem se poderá dizer que fica dado o mote para um mês em que a dança assume o protagonismo, ou não se chamasse Convite à Dança a narrativa que o atravessa. É um bloco programático de grande dinamismo e apelo rítmico onde quatro agrupamentos residentes da Casa são chamados a brilhar, interpretando partituras esvoaçantes saídas da pena de compositores que marcaram períodos distintos da história da música. Mas não só: é também um espaço para sentir no corpo a agitação do hip hop matizado de samba e afrobeat que o astro paulista Criolo confeciona, o balanço irresistível da MPB misturada com pagode e tonalidades africanas da cantautora baiana Rachel Reis e a propulsão dançante da fusão entre ritmos regionais brasileiros e os mais variados sons globais promovida pelo carioca DJ MAM.

A estes Brasis soma-se ainda, já fora do Convite à Dança, o Brasil do paraíbano Chico César, num comovente diálogo de voz e violão – repleto de poesia, humanidade e consciência política – com a sublime musicalidade de um antigo Ministro da Cultura de Cabo Verde, o cantor, poeta e compositor Mário Lúcio.

De outras paragens chegam também nomes importantes, como o duplamente oscarizado Gustavo Santaolalla, mestre argentino na criação de bandas sonoras para cinema e multi-instrumentista de excelsa qualidade, que faz um concerto único em Portugal para celebrar os 25 anos do álbum icónico (Ronroco) que lhe abriu as portas a Hollywood. Caso igualmente digno de nota é o do cantautor sueco Kristian Matsson, mais conhecido como The Tallest Man on Earth, que vem apresentar o seu primeiro álbum em quatro anos, Henry St., junto com grandes êxitos de carreira.

Lovre Marušić é o senhor que se segue no Ciclo Piano. O multipremiado intérprete croata dá um recital marcado pela música de Beethoven e complementado com obras do seu compatriota Božidar Kunc e de Franz Liszt.

São apenas alguns destaques do muito que há para ver e ouvir em setembro na Casa da Música. Para conhecer em pormenor a dimensão da oferta, nada como ler atentamente as páginas desta Partitura.

TÓNICA

CONVITE À DANÇA

Mover o corpo de modo cadenciado, mover-se de forma oscilante ou a girar, não estar firme ou ter muita folga, ser volúvel.

São definições do dicionário sobre ‘dançar’, mas elas pouco nos revelam sobre essa misteriosa força que nos invade ou electrifica e muito menos sobre a sensação que se instala quando nos deixamos atravessar por ela. Não obedece às nossas leis e regras inventadas, não pede licença para entrar: quando damos por ela já estamos a abanar um pé, outro, as pernas, os braços, a cabeça ou tudo junto. A solo, em grupo ou a par, a dança está lá desde tempos imemoriais, presente nas diferentes culturas que codificam os seus próprios passos e os transformam muitas vezes em gestos de pertença, de resistência e de identidade.