À Procura de José Pinhal

José Pinhal
José Pinhal

Aqui se conta a história da descoberta de um artista que, já não habitando este mundo, atingiu o estrelato, ou não fosse póstumo o brilho das estrelas. Lá do firmamento, de bigode, fato branco e camisa preta, José Pinhal iluminará a maior festa da cidade na Casa da Música.

Abramos o jogo: quem é José Pinhal? A conjugação do verbo no presente pode parecer enganosa, porque o homem faleceu há mais de trinta anos, mas falamos do mito em que ele se converteu desde que foi redescoberto, por mero acaso, no princípio deste século. Hoje, José Pinhal é um ás de trunfo em festas populares, noites de karaoke e até pistas de dança.

O título deste texto remete para uma história com contornos semelhantes, a de Sixto Rodriguez, um cantautor folk de Detroit que teve uma curta e discreta carreira entre finais dos anos 60 e inícios dos 70, sem imaginar que a sua história musical continuaria na África do Sul, onde foi alcandorado a ícone pop e lenda geracional. Descrendo da versão de suicídio que sobre ele há muito circulava, um grupo de fãs decidiu procurar a verdade e acabou por encontrá-lo vivo a tempo de o fazer sentir o sabor da glória.

A história de Sixto está registada no filme À Procura de Sugarman, vencedor de um Óscar em 2012, enquanto a de Pinhal preenche o documentário A Vida Dura Muito Pouco, de Dinis Leal Machado, selecionado para o festival IndieLisboa de 2020. Mas se o nosso “Sugarman” não teve a mesma sorte do norte-americano, a sua filha, Marina, pode agora acompanhar com incontido orgulho as festas que se vão fazendo pelo país em nome do pai.

Natural de Matosinhos, José Pinhal contaria hoje 72 anos, se aos 41 não tivesse sido vítima de um acidente de viação quando regressava de um dos seus espetáculos. Deixou três álbuns gravados, com temas orelhudos como “Tu És a Que Eu Quero (Tu Não Prendas o Cabelo)”, entretanto convertido em verdadeiro hino popular, “Magia (Bola de Cristal Mentia)” ou “Porém Não Posso”. Ainda assim, a merecida fama só chegaria décadas mais tarde, com a ajuda providencial de um fotógrafo e DJ portuense, colecionador inveterado de música portuguesa.

Paulo Cunha Martins, hoje a viver em Berlim, relembra o sucedido, escrevendo para o Partitura na primeira pessoa [caixa em baixo]. Tudo remonta a 2001, quando o seu irmão comprou um apartamento que fora o escritório de Cipriano Costa, agente de José Pinhal, e onde Paulo des- cobriu duas cassetes perdidas. Ouviu-as e, movido pela surpresa, não tardou a digitalizá-las e partilhar os ficheiros áudio com os amigos. As festas que organizava ajudaram a alastrar o que viria a transformar-se num fenómeno de adesão hipster, primeiro, e nacional, depois. Em 2016, a “ressurreição” consagra-se com o aparecimento da banda José Pinhal Post-Mortem Experience, formada por sete amigos que se juntaram apenas para tocar as músicas do cantor romântico numa festa.

O facto de o projeto ser este ano a estrela maior da noite de S. João na Casa da Música já diz muito do que tem sido, desde então, a resposta popular.

Vamos, pois, de cabelos soltos, celebrar o mito na maior festa da cidade.

AS CASSETES

A música é um fenómeno de partilha. Lembro-me de sentir o choque de ouvir uma pré-master d’O Monstro Precisa de Amigos em casa do Manel Cruz. Estava a banda, amigos, conhecidos e eu, com 18 anos, sem ter noção do que aquele disco viria a representar. Passados dois anos, em 2001, encontrei duas cassetes no antigo escritório do Cipriano Costa, agente do José Pinhal. O primeiro impulso foi o de tocar as cassetes em autorrádios dos amigos que tinham carro, mais tarde digitalizar em mp3 para partilhar pela internet e ainda gravar em CDR. Passados mais de 10 anos estava eu no defunto Cave 45 a cantar em palco com a banda de tributo no seu primeiro concerto. José Pinhal é um fenómeno da partilha de música que passou por vários suportes: cassetes, ficheiros, CDs gravados, um documentário e um vinil com a reedição da Lusofonia Record Club. Passou também por gostos, tendências e modas.

Em 2001, eu não fazia ideia que o ressurgimento do José Pinhal viria a ser um fenómeno tão contagiante. Mais uma razão para fazer um apelo: ouçam música, seja boa ou má, e partilhem-na com o mundo de qualquer forma possível.

— Paulo Cunha Martins