Universo Piano

Tem 88 teclas. 52 brancas, 36 pretas. E três pedais. É considerado o rei dos instrumentos, pela sua capacidade de reproduzir sozinho qualquer sinfonia escrita para uma orquestra inteira. Tem um lado heroico, podendo exigir ao músico qualidades sobre-humanas de virtuosismo transcendental. Pode representar uma tempestade ou uma batalha, mas também canta uma canção de embalar. E convida ao recolhimento, quando faz soar um noturno num registo da maior intimidade. Há quem tenha medo dele. Não só porque é difícil de tocar, e requer estudo e disciplina, mas também porque tem o poder de nos fazer chorar. Tanto dá o nome a livros transformados em sucessos de bilheteira da Sétima Arte, como fica esquecido num sótão em que ninguém sabe como lá entrou. Apresenta-se nos mais diversos tamanhos, cores e feitios. Fica sempre bem numa sala de estar, mesmo quando tristemente fechado durante anos a fio, mas é no palco das grandes salas de concerto que se apresenta com a dignidade de uma alma solitária capaz de enfrentar o mundo. Chama- se piano e está em destaque na Casa da Música ao longo de todo o mês de maio, revelando-se nas mais variadas facetas e colocando-se ao serviço dos mais jovens principiantes e dos mais reputados e lendários pianistas da atualidade. Há pessoas que lhe dedicam a vida.

Maria João Pires e Grigory Sokolov são cabeças de cartaz em qualquer das salas mais prestigiadas do mundo, de Viena a Nova Iorque. Mas tocar no Porto representa para eles algo de muito especial. Sokolov, o jovem prodígio que ganhou o Concurso Tchaikovski com apenas 16 anos de idade, celebrou os 18 anos de idade na Invicta, por entre dois recitais no Teatro Rivoli. Ainda hoje se lembra do velho teatro e do que lá tocou há 55 anos. Desde que a Casa da Música abriu, em 2005, regressa ao Porto todos os anos e brinda o público com a perfeição meticulosa das suas interpretações. Este ano traz Bach, Chopin e Schumann na sua prodigiosa memória. Maria João Pires era bem mais pequena quando tocou no Porto pela primeira vez. Ainda não chegava com os pés ao chão e já encantava o público do Ateneu. Aos 10 anos tocou um concerto para piano e orquestra de Mozart no Coliseu. O próprio maestro que a dirigiu, Ino Savini, ficou de lágrimas nos olhos quando a ouviu pela primeira vez. A Casa da Música orgulha-se de receber estes dois grandes pianistas na mesma semana de maio e no Festival que presta homenagem a outra grande dama do piano, Helena Sá e Costa. A Orquestra Sinfónica junta-se à celebração e acompanha a vencedora do prestigiado Concurso Internacional Clara Haskil, a japonesa Yumeka Nakagawa, num dos concertos prediletos de Mozart. E é na esteira do legado pedagógico de Helena Costa que se reúnem centenas de jovens pianistas de todo o país na Casa da Música para uma verdadeira maratona de música.

O piano reinventa-se num oceano de sons surpreendentes no espetáculo que Mariana Miguel concebeu para o Serviço educativo. Num concerto da Orquestra Barroca fala-nos dos seus antepassados e de música escrita para o virginal e o cravo, no qual Andreas Staier interpreta Bach, compositor que abre também o recital de órgão de Sebastian Heindl. O jazz, grande paixão do piano, também não podia faltar com o Trio de Pedro Neves, no Festival Antena 2, ou o Quarteto de Pedro Sequeira. O piano é um universo. Venha descobri-lo em maio, na Casa da Música.