Vicente lusitano

“Não foi possível encontrar o que procurava”. No motor de pesquisa a procura é o nome de um compositor: Vicente Lusitano. O repositório? Um arquivo onde se encontram catalogados todos os compositores interpretados nos concertos dos agrupamentos residentes da Casa da Música e de outras formações que integraram a programação artística desde 2005. Ao todo, já são quase 9500 entradas, com repertório que percorre praticamente toda a história da música ocidental. No entanto, esta será a primeira oportunidade para escutar na Sala Suggia uma obra de Vicente Lusitano, compositor português negro do século XVI que tem fascinado investigadores em Portugal e não só. Mas quem foi, afinal, Vicente Lusitano?

Comecemos por um dado importante para contar um pouco da sua história: em meados de 1500, Portugal teria uma população afrodescendente maior do que qualquer outro país europeu. E é em Olivença, por volta de 1520, que nasce Vicente Lusitano, supondo-se filho de mãe negra e de pai branco. Terá tido acesso a estudos formais, aprendendo música e línguas como latim, espanhol e italiano. Foi ordenado padre e fez-se professor, compositor e teórico influente, trabalhando em vários países da Europa. A sua reputação e génio são comprovados por diversos feitos: foi o primeiro compositor negro a publicar e registar a sua música na Europa; a coleção de motetos Liber Primus Epigramatum (1551) é a primeira antologia de um compositor português publicado no estrangeiro; alguma da sua música encontra-se em livros de coros associados às mais prestigiadas capelas. Apesar de respeitado em todas as vertentes, Lusitano viu-se impedido de ascender a outro tipo de cargos – como o de maestro di capella –, vedados a todos os padres negros. Mais tarde, converte-se ao protestantismo e pela Alemanha perdemos-lhe o rasto. Os séculos que se seguem são de silêncio em relação à sua obra, votando-o praticamente ao esquecimento.

Diversos investigadores têm procurado corrigir essa injustiça, entre os quais a musicóloga portuguesa Maria Augusta Barbosa, Robert Stevenson e Samuel Floyd, e agrupamentos como Arte Mínima, em Portugal, têm-se dedicado a interpretar a música do compositor. O crescente interesse internacional sobre ela foi também motivado pela exibição de um cartaz durante uma manifestação do movimento Black Lives Matter que continha uma lista de compositores negros frequentemente excluídos da cronologia da história da música ocidental. Que se faça o tempo de escutar as suas criações sublimes. Na Casa da Música, a primeira oportunidade está já aí (dia 21, 18:00).