VENTOS NOVOS EM FLORES ETERNAS

Maria Sá Silva
Maria Sá Silva

Olhando para trás, é-me difícil acreditar que apenas quatro anos distam desde o momento em que pela primeira vez entrevi o universo musical de Carlos Paredes. Certamente o explicará a distância que no tempo me separa do Mestre, associada à incompreensível, digo-o hoje, pouca atenção que a sua obra tem merecido. Mas foi imediato o fascínio pela emoção que suscita – as melodias simples que tomam o ouvido de assalto; os temas nostálgicos e melancólicos que nos enredam no eterno confronto entre os sentimentos de perda e a recordação-prazer de ter vivido o momento, próprios do fado de Coimbra; as raízes portuguesas feitas som; o brilhantismo da complexidade técnica que apenas nos deixa espaço para admirar um virtuosismo que elevou a guitarra portuguesa a instrumento solista. Paredes oferece-nos um caleidoscópio de sons, tanto inteiramente novos como re-perspetivados, que nos mergulha numa jornada pelo ser português e a mim abriu as portas a uma singular vontade criativa. Mas o que penso verdadeiramente tornar única a música de Paredes é o seu fraseado exímio, a singular brilhante alternância entre a intensidade sonora e os momentos de silêncio, num jogo de tensão/distensão que conduz o ouvinte a crer que da guitarra brota um canto que por vezes se emociona em choro.

Não consegui conter o desejo de interpretar estas obras, de procurar absorver a maestria interpretativa, de as reinventar num novo instrumento. O caminho fez-se com a descoberta de sons que nunca imaginei pudesse obter na harpa. Desprovida de pautas, não havia limites, e, tendo como crítico apenas o ouvido, gozei de total liberdade na escolha das técnicas e efeitos adequados à base emocional desta música de que progressivamente me fui apropriando.

Procurei explorar as diversas facetas da sua obra, da energia vibrante das danças aos cromatismos das melodias inspiradas no fado de Coimbra, ou mesmo as composições que destacam o virtuosismo do intérprete. E esse caminho concedeu-me a possibilidade de imergir em algo verdadeiramente inimitável, um universo musical que possui a execução magistral como essência.

O fruto do meu deslumbramento e labor pretende apenas, humildemente, com uma nova sonoridade e perspetiva, revelar uma outra passagem para uma obra que de forma única merece ser tocada, ouvida e apreciada. Sempre sabendo, claro, que na plenitude expressar o impacto da música de Carlos Paredes por definição não pode deixar de constituir um desafio, pois apenas através da sua experiência artística verdadeiramente se compreenderá a capacidade interpeladora das melodias que nos legou.

Gostaria, pois, de convidá-los a ouvir a música de um artista que deixou marca significativa na história da música portuguesa, esperando conseguir levá-los a mergulharem nesta obra de arte intemporal, fruto do génio de um homem que continua a emocionar gerações.