Bandas Filarmónicas: 200 anos de Música em Comunidade
André Granjo, formador do 2.º módulo do Curso Livre de História da Música, levanta o véu sobre a ordem de trabalhos, num artigo revelador da importância das bandas filarmónicas.
“Banda Filarmónica”, por vezes apenas “Banda de Música”, “Banda Civil”, “Filarmónica” ou só “Música”, é a designação dada a uma Orquestra de Sopros e Percussão de estrutura amadora que se alicerça numa comunidade. A nível social, estas instituições musicais são geralmente organizadas e administradas com base no modelo das Sociedades Filarmónicas criado no século XIX. A maior parte das vezes estas estruturas têm uma Escola de Música que alimenta a Banda, têm um maestro que por vezes acumula o papel de coordenador da Escola e uma direção administrativa responsável por aspectos mais logísticos e de produção, como organizar concertos, assinar contratos para atuações, cuidar da vida financeira da sociedade, do marketing, etc. Em algumas destas coletividades a música não é a única atividade oferecida à comunidade.
Em Portugal este é um fenómeno de âmbito nacional, presente tanto nas zonas rurais como urbanas, que se desenvolveu rapidamente com os ideais liberais pós-Revolução Francesa, sobretudo após a criação da Sociedade Filarmónica de Concertos de Lisboa, em 1822. Apesar de alguns períodos de crise, sempre foi um dos mais importantes suportes musicais, tanto pela sua versatilidade performativa como pela sua capacidade de socialização e representação social.
As estimativas apontam para a existência de mais de 600 bandas em Portugal e, de acordo com um inquérito feito em 2001 pela Direção Regional de Cultura do Centro, esta designação engloba agrupamentos de 17 a 83 músicos. As bandas apresentam-se geralmente com uniformes personalizados e reconhecíveis, incluindo chapéu, e muitas vezes usando insígnias para distinguir e identificar a comunidade à qual pertencem. Os músicos são quase todos amadores, no sentido em que a música não é a sua carreira, não obstante o facto de, ao longo dos últimos 30 anos, um número crescente de músicos destas bandas procurar formação musical em escolas oficiais de música, elevando assim a sua qualidade técnica e o potencial musical de uma forma bastante notória.
O repertório destes conjuntos é extremamente eclético, indo de arranjos de música tradicional e popular a linguagens eruditas mais vanguardistas. Esta variedade de repertório é uma das características mais fascinantes da banda, pois dá-lhe a capacidade de agradar a um público extremamente amplo e, ao mesmo tempo, ajudar a unir a música de esferas diversas e às vezes opostas num espaço de apelo popular que a banda ainda personifica. Os contextos de atuação destes grupos refletem ainda mais este apelo generalizado: bandas apresentam-se na rua, tocam em procissões religiosas, acompanham a missa em festividades religiosas, realizam concertos ao ar livre em parques e praças, realizam concertos em auditórios e teatros, prestam apoio musical a cerimónias cívicas, touradas, bailes, desfiles carnavalescos, eventos sociais e desportivos, etc.
Apesar da generalização do fenómeno, existem algumas especificidades geográficas no que diz respeito aos contextos de atuação das bandas: as bandas das zonas urbanas tendem a realizar mais concertos em espaços fechados e a tocar no exterior apenas para cerimónias cívicas, as bandas das zonas rurais do Sul tocam mais em touradas e em festividades religiosas e as bandas rurais do Norte estão mais inclinadas a fazer concertos ao ar livre e em recintos fechados e a atuar em festividades religiosas. Esta capacidade “camaleónica” da Banda Filarmónica é, no entanto, a razão pela qual se ajustou e sobreviveu durante tantas décadas e o que nos tranquiliza quanto à sua continuidade em constante evolução no futuro.