A PROMESSA PORTUGUESA QUE ABRE A TEMPORADA DO CICLO DE PIANO

António Areal
António Areal

Uma pessoa considera-se sempre a ela própria como individual, única, e talvez mais singular que qualquer outro ser humano. Até que chega o momento de falar de si própria. A facilidade com que caímos no mais banal, no mais comum e naquilo que queríamos precisamente evitar. “Gosto de pintura, gosto de ir ao cinema e de fazer desporto, de conviver, de cozinhar e de estar na natureza…”. Mas afinal também são estas aparentes trivialidades que nos unem como seres humanos. Há um sentimento dentro de todos nós, no profundo da nossa essência, que está representado nestas atividades que todos fazemos. A vida. Uma sensação coletiva, universal e intemporal. Para mim não há melhor exemplo desta sensação do que a música. A música não é mais nem menos do que a própria vida. “A linguagem onde toda a linguagem termina” (Rilke), uma linguagem universal sem barreiras, que não tem limites e permite explorar todo o complexo espectro existencial. Um caminho sem fim, um poço sem fundo. É na música que encontro uma expressão sincera da vida, e de facetas do ser humano que normalmente estão escondidas e que muitas vezes não sabíamos possíveis. A transcendência sendo uma delas. Questionar os mistérios sem resposta, ir mais longe com cada século que passa, através da procura constante e incansável que alimenta a alma. A primeira sensação de transcendência que tive foi ao ouvir Alina de Arvo Pärt. Era muito pequeno e nessa altura estava internado no hospital e recordo-me do trauma de ouvir estas obras. O sentimento intemporal e imóvel que esta música tem, juntamente com uma força gravitacional esmagadora. Foi uma experiência inesquecível, ainda agora me custa encontrar palavras para a descrever.

O meu primeiro amor musical foi o banjo! Havia algo no som que me fascinava muito, mas, não havendo esse instrumento no Conservatório, acabei por ficar no piano, onde começaria um momento dourado da minha vida. Estudei no ensino integrado num ambiente familiar e em 10 anos formei um núcleo de amizades que trago sempre comigo. A decisão de seguir música surgiu de maneira espontânea e inesperada. Lembro-me, aos 15 anos, de quando chegou o ano da decisão de continuar ou não no Conservatório. Ao princípio isso não me preocupava, porque tinha noção de que ainda faltava muito tempo para escolher. Certo dia o meu diretor de turma da altura disse que, por erro na secretaria, quem quisesse ficar tinha de assinar os papéis nesse mesmo dia! Em pânico liguei à minha mãe, que me pergunta: “Estás feliz aí?…”. “Sim”, e fiquei até hoje na música… Sempre senti que a música preenchia um espaço dentro de mim, como nenhuma outra coisa o fazia. Era um momento profundo, de sensações que me deixavam noutro mundo e me transportavam para um patamar diferente no qual me sentia em casa, uma casa que não sabia que tinha. Tinham muito valor esses momentos de contacto musical, a ouvir ou a tocar, e gradualmente fui decidindo pelo que pensei que fazia sentido, dedicar-me àquilo de que mais gosto. Mantenho desde então o espírito livre e tento tornar a música parte do meu alento humano, usá-la como veículo para explorar a vida.

Paralelamente, inspiro-me muito nos desportistas de alta competição. Há um paralelismo muito evidente com um músico profissional. A paixão é idêntica, a dedicação, a luta constante e os processos a longo prazo são de grande inspiração para mim. E também nos próprios artistas e músicos, clássicos e não só, como James Brown, com quem tenho a enorme honra de partilhar a data de aniversário.

— ANTÓNIO AREAL